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Com a grave crise política e econômica que atingiu o Brasil a partir do ano de 2015, a grande maioria das empresas privadas precisou reduzir seus custos para se adaptar à nova realidade e sobreviver em meio à instabilidade que se instalou no País, especialmente após o início do processo de impeachment da então Presidente Dilma Roussef.
Diversas foram as consequências deste período de recessão, sendo a principal delas a demissão de milhões de pessoas, fazendo com que o desemprego alcançasse níveis históricos. O mercado estava, portanto, fechado para contratações e estes empregados demitidos sem perspectivas de encontrar um novo emprego a curto prazo.
Em muitos casos, a alternativa encontrada por estas pessoas foi abrir o próprio negócio, ansiosos por voltar a ter uma fonte de renda e, mais do que tudo, por finalmente alcançar a tão sonhada independência financeira. Para isso, teriam os recursos recebidos com a rescisão do contrato de trabalho e as economias feitas durante toda a vida e nos anos de emprego como celetista.
A falta de experiência para iniciar e administrar um negócio levaram muitos a buscar modelos de negócio prontos, já testados e aprovados no mercado, cuja gestão fosse padronizada e assessorada, na tentativa de minimizar os riscos de insucesso e a perda de seus investimentos. Neste cenário, as franquias passaram a ter enorme visibilidade e procura justamente por, em sua essência, reunir tais características.
A grande demanda por este tipo de negócio, consequentemente, fez crescer o interesse das empresas em tornar-se uma franquia e aproveitar a oportunidade de captação fácil e rápida de recursos financeiros, em que pese a maior parte delas não reunisse as condições mínimas exigidas para esta forma de empreendimento.
Assim, empresas recém-abertas e/ou que não tinham metodologia e know how testados, aprovados e consolidados no mercado, nem experiência e conhecimento necessários para replicar seu negócio de forma eficiente e segura para o investidor, sem ter uma loja piloto, sem testar previamente o modelo de negócio e sem se preocupar com as formalidades da lei e as boas práticas de franchising, se tornaram franqueadoras e passaram a vender franquias de maneira completamente irresponsável e irregular, sem sequer avaliar o perfil do investidor ou avaliando apenas sua renda, visando tão somente atrair aquele público que estava em busca de um negócio para aplicar seus recursos.
Aproximadamente um ano se passou desde o início deste processo e começa-se agora a colher os frutos da atuação indevida destas empresas. Constantes são as notícias do aumento do número de lojas fechadas e franqueados quebrados, com sérios prejuízos financeiros e danos psicológicos, que se veem completamente desamparados e muitas vezes sem condições financeiras e emocionais até mesmo para buscar seus direitos na justiça.
Muitas empresas, que de forma ardilosa exploraram esta oportunidade decorrente da crise, não se atentaram ou simplesmente ignoraram propositadamente que estavam lidando com os sonhos destas pessoas, com as expectativas de uma vida inteira, com a luta e o esforço de anos e anos poupando dinheiro para finalmente ter seu negócio. Mas a mera ganância refletida na conduta destas franqueadoras ofuscou completamente a visão de responsabilidade social e dos princípios da boa-fé e honestidade que devem pautar as relações negociais.
Os franqueados têm se tornado vítimas do despreparo das franqueadoras, sofrendo severos prejuízos, largados à própria sorte, sendo que, em muitos casos, perderam tudo o que tinham, se endividaram na tentativa de manter o negócio, e, no final, se sentem impotentes e impossibilitados de agir diante de contratos de franquia que estabelecem apenas obrigações e pesadas multas para eles e protegem somente os direitos da franqueadora.
Portanto, o que se tem presenciado nestes últimos anos no ramo de franquias é, acima de tudo, a captação antecipada de poupança popular, em que a franqueadora passa a vender um direito (de usar sua marca e seu know how) mediante oferta pública (entrega da circular de oferta de franquia) e com pagamento antecipado do preço (taxa inicial de franquia).
A captação antecipada de poupança popular é regulada por lei e carece de tutela do poder público justamente para garantir a segurança dos poupadores investidores e do próprio sistema financeiro nacional. Contudo, por ter legislação própria, a atividade de franquia não possui a devida proteção conferida por lei para a captação de poupança popular.
Isto porque, a legislação brasileira sobre franquia foi inspirada nas leis norte-americanas sobre o tema, que têm como foco, sobretudo, proteger o pequeno empresário, não havendo preocupação com as relações de trabalho. Nos EUA, a intenção do legislador foi determinar que na Circular de Oferta de Franquia a ser entregue ao candidato estejam presentes todas as informações essenciais da franquia, que permitam ao investidor avaliar os riscos e benefícios antes do fechamento daquele negócio. Esta regulamentação legal é seguida à risca pelas franquias americanas e seu cumprimento efetivamente fiscalizado pelos órgãos responsáveis.
A lei de franquias brasileira seguiu parte da normativa norte-americana ao discriminar o conteúdo obrigatório da COF, porém a essência da lei, a intenção do legislador americano e, sobretudo, os mecanismos de comando e controle da norma estrangeira não estão presentes na norma brasileira. Esta parcialidade a torna ineficaz para oferecer a devida proteção que o sistema de franquia necessita ter no Brasil, especialmente sob a ótica do franqueado.
Aqui o que se nota com frequência é o grave desrespeito à lei, a falta de transparência da franqueadora sobre o negócio, promessas que não irão se concretizar, criando falsas expectativas sobre a lucratividade do negócio, e tudo isso sem qualquer fiscalização das autoridades públicas e/ou de instituições do setor.
Conclui-se, deste modo, que a legislação brasileira sobre o tema não é adequada a regular sozinha as relações de franquia no Brasil, pois estas necessitam da proteção advinda das normas ligadas à poupança popular e da intervenção direta do poder público para regulamentar e fiscalizar esta atividade.
Recentemente se comemorou o constante aumento do faturamento do setor de franquias e aumento do número de franqueadoras e franqueados como uma grande vitória, mesmo em época de crise, em que a maioria dos setores da economia apresentou recessão. Não se observou, no entanto, que este crescimento decorreu em grande parte da situação frágil de milhares de desempregados iludidos a aplicar sua poupança, suas verbas rescisórias, fundo de garantia etc., em uma franquia muitas vezes fadada ao insucesso.
Por certo que existem exceções no mercado já que diversas empresas franqueadoras possuem métodos e marcas consolidadas e atuam com respeito perante o consumidor, oferecendo qualidade e credibilidade de seus produtos e serviços e trazendo reais vantagens ao franqueado que ingressa na rede de franquias. Há de se separar o joio do trigo e saber valorizar as grandes marcas e empresas sérias do setor.
Mas a venda irregular de franquias é uma realidade no País e medidas urgentes precisam ser adotadas para impedir que empresas continuem fazendo cada vez mais vítimas destas operações de captação irregular de poupança, que usam o nome e a reputação da franquia para vender uma ilusão e destruir expectativas e sonhos.
MENEZES ADVOGADOS